domingo, 15 de maio de 2016

Maio Sem Preconceito é marcado pela criação do Conselho Municipal LGBT em Florianópolis




Fotos e textos por Paula Guimarães.

Em 17 de maio, o mundo celebra o Dia Internacional de Combate à Homofobia. Florianópolis tem um motivo para comemorar neste ano com a aprovação pela câmara de vereadores do Projeto de Lei 16.379/2015 que cria o Conselho Municipal de Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – CMDLGBT. A lei foi sancionada pelo prefeito César Souza Júnior, na última sexta-feira, (13). Ele se comprometeu também com a implantação do Plano Municipal de Políticas LGBT.

É o primeiro conselho voltado à luta dessas minorias no estado, depois de oito anos de construção do projeto. As atividades alusivas começaram em 2 de maio e seguem durante todo o mês. “O conselho, a coordenadoria e o plano são o tripé da cidadania LGBT”, afirmou Alexandre Gastaldi do Grupo Acontece Arte e Política LGBT, no I Seminário da Câmara Técnica Municipal LGBT, realizado na tarde do último sábado (14/5).

O seminário teve como encerramento uma dança circular, porém os participantes foram impedidos de dar continuidade pelos guardas municipais que estavam no estacionamento da Guarda Municipal de Florianópolis, local onde ocorreu o evento. "Eles disseram que no local não poderia haver movimentos de corpos", contou Guilhermina Ayres da Câmara Técnica LGBT. 

A implantação do plano, assim como do conselho, e outras ações para o enfrentamento à violência foram discutidas no encontro. Os participantes aprovaram uma moção de repúdio à Medida Provisória nº 726, de 12 de maio de 2016, assinada por Michel Temer, que exclui temporariamente o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.

Criada em 2015 para monitorar o Plano Municipal de Políticas LGBT, a câmara técnica foi responsável pela organização da conferência municipal, pela revisão do projeto do conselho e agora tem a competência de auxiliar na elaboração do regimento interno.

O conselho será composto por 20 conselheiros, 10 da sociedade civil e 10 do governo. Dalva Maria Kaiser da Coordenadoria da Mulher de Florianópolis, explica que os próximos passos para a implantação serão a criação do fórum das organizações não governamentais para eleger os representantes e a indicação dos conselheiros governamentais pelo prefeito. Com a nomeação, cria-se o regimento interno.

Crimes de ódio e ausência de políticas públicas
Guilhermina Ayres
O projeto para a criação do conselho foi uma iniciativa de organizações da sociedade civil inspiradas no exemplo de outras cidades do Brasil. A falta de denúncias formais e a subnotificação dos crimes são os principais motivos para a ausência de políticas públicas direcionadas à comunidade. “O conselho terá a função de fiscalizar e monitorar políticas públicas. Há muitos crimes relacionados ao preconceito, a grande questão é que eles não são descritos como tal, o que leva a uma falácia de que em Florianópolis não há ataques direcionados à comunidade LGBT”, afirma Guilhermina. 

O ponto alto das discussões do seminário foi a dificuldade de denunciar os crime, assim como relacioná-los ao ódio de gênero, especialmente assassinatos. 

Paulo Roberto Andrade
Entre os motivos estão a vergonha por parte da vítima ou da família, o falho acolhimento pelos órgãos públicos, a sensação de impunidade, a negativa dos serviços policiais de se deslocarem até os hospitais e o medo de retaliação pela polícia, que seria responsável por grande parte das agressões.

O escrivão Paulo Roberto Andrade lembrou o assassinato recente, no sul da ilha, de um homem que foi amarrado e arrastado, com indicativo de crime de intolerância, mas que não foi classificado dessa maneira, nem mesmo a questão foi levantada pela mídia.

Margarethe Hernandes


Outra forma de discriminação vem da própria justiça ao indeferir pedidos de casamentos homoafetivos, como lembrou Margarethe Hernandes da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero da OAB/SC. 

Ela se colocou à disposição para auxiliar em casos de promotores e juízes que não acatam a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como para outras formas de preconceito. 


Lirous Ávila, representante da Associação em Defesa dos Direitos Humanos (Adeh) e do Fórum da Diversidade, falou ainda sobre os obstáculos aos encaminhamentos das denúncias do disque 100 (direitos humanos) devido à falta de mão de obra e de abrigo às pessoas em situação de violência. “Muitas dessas denúncias são guardadas na pasta. Em alguns casos, temos que levar a vítima para nossas casas porque em Florianópolis não há nenhum abrigo que funcione”, revela. 


Violência institucionalizada 
Uma pesquisa realizada em 2013 pela Adeh, ajudou a sinalizar para os tipos de violência, negligência e discriminação cometidas contra as pessoas que não se enquadram na ordem heteronormativa e deu sustentação à criação do conselho. Das pessoas entrevistadas, 34,5% relatam já terem feito alguma denúncia de violência, dessas 64% a fizeram junto à polícia. 

Lirous Ávila

O levantamento indicou que parte dos agentes de violência identificados são operadores das políticas públicas, em especial de educação (31%) e saúde (20%), seguidos da segurança pública (26,6%) e do serviço de assistência social (3,5%). 

O trabalho destaca que com freqüência era necessário explicar para as pessoas o que significa violência psicológica e, não raro, foi constatado que muitas não entendiam o que tinham vivenciado como uma forma de violência. “Isso é normal” e “isso sempre acontece na escola” foram frases constantes. O relatório constatou que há práticas que são “naturalizadas” e “banalizadas” a tal ponto que não são significadas como formas de violência. 

Guilhermina explica que as organizações já atuam na capacitação de profissionais para um atendimento humanizado, especialmente nas escolas, com palestras sob demanda, e que o plano municipal de políticas LGBT propõe a inclusão da capacitação de funcionários no plano de administração de escolas.

Avaliação e propostas de enfrentamento à violência


Alexandre Gastaldi destacou como avanço a recente autorização do uso de nome social no serviço público pelo decreto da presidenta Dilma Rousseff. 

O ativista que esteve à frente da mobilização para a criação do conselho estadual explica que o projeto de lei, elaborado pelas organizações, havia sido encaminhado pelo governador do estado Raimundo Colombo à Assembléia Legislativa, porém com várias modificações, entre elas a não paridade no número de conselheiros, dando vantagem ao governo. Depois de alterado pelas organizações, ele foi encaminhado à votação, mas por falta de quórum, a sessão foi cancelada. “Os próprios deputados da base governista boicotaram a aprovação com a ausência nas sessões de votação”, explicou.


A advogada Alcenira Vanderlinde, representante da Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho e Habitação avaliou que a 3ª Conferência Estadual de Direitos LGBT, realizada em março desde ano, teve abrangência mais ampla do que as anteriores, dividindo-se em municipais, livres e regionais, entretanto sem atingir a Região Serrana. 


Para ela, a conferência demonstrou o protagonismo dos movimentos sociais e a pouca participação de representantes governamentais. “As conferências foram construídas coletivamente pelas organizações. Tivemos participação elevada e alto grau de debate. Existe uma receptividade da cassa civil de retomar o processo para a criação do conselho estadual. A luta é grande. Não podemos ir para o gueto. Temos que nos articular, construir pontes”, destaca.

No Brasil

O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registradas 604 mortes no país, segundo pesquisa da organização não governamental Transgender Europe (TGEU), rede europeia de organizações que apóiam os direitos da população transgênero.

O último Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, publicado, em 2012, apontou o recebimento, pelo Disque 100, de 3.084 denúncias de violações relacionadas à população LGBT, envolvendo 4.851 vítimas. Em relação ao ano anterior, houve um aumento de 166% no número de denúncias – em 2011, foram contabilizadas 1.159 denúncias envolvendo 1.713 vítimas. Os números podem ser ainda maiores já que os casos de violência contra travestis e transexuais são subnotificados. 










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